terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Torre

Assombro o relógio, persigo as horas, declaro guerra ao tempo
Existo momento, guilhotino a janela, cerro a porta ao instante
Humilho o papel, estendo o lençol, aguardo-me fim fatigado
Esmago o piano, conspurco o livro, lanço-me nu ao rio

Corto a cabeça da boneca, corto o pelo do cão, desassombro-me
Olho nos olhos do ídolo, desmascaro-o, cuspo-lhe na roupa nova
Arranco as asas do anjo, arranco a minha mão desnecessária
Mão de ferro forjada, esguicha o sangue e domino-o à dentada

Dinamito a pérola, emendo a morte cortando os lábios amados
Metralho o Sol, rebento com a Lua, fico só eu e as estrelas
Não me chega o vácuo, tinjo-o pulverizante de matéria negra
Retiro a moldura ao quadro, apago-lhe as flores, apago-o

Assopro na vela e decreto a noite como natureza das almas
Retiro a máscara, sujo-me de verdade, espanco o cachaço dos homens
Faço navegar o barco para fora da garrafa, decreto-me seu capitão
Despeço os carregadores de liteiras, e carrego-as eu às costas

Amanso o mar, afundo a ilha, descoloro as cores tropicais
Lanço-me louco nas profundezas da alma, torno a loucura banal
Mato Deus, ressuscito-o para que perceba quem manda
Entro nos cérebros e apago as histórias, acordando não haverá nada

Desboto os papéis escritos, serão todos escritos em vão
Danço o tango com o poeta, ele fica tonto, eu atiro-o para o chão
Assenhoro-me dos dedos do músico e ensino-lhe a música da morte
Estorvo a passagem da ambulância convencendo o moribundo da sua sorte

Avanço aos pulos sobre os telhados, escarneço dos superficiais
Rodopio na auréola do anjo, masturbo-me na cauda de Satã
Desfaço o nó da gravata, tiro a camisa, arranco a pele
Ponho a mão no coração e arranco-o também, a seguir a jugular

Faço malabarismos com o fígado, o baço e o pâncreas
Surjo na rua corpo sem órgãos, encontro uma camisa e uma gravata
Como a gravata e vomito, troco os meus órgãos pela camisa
Embrulho o vómito na camisa e caminho sem direcção