quarta-feira, 23 de junho de 2010

Enquanto nos perdemos na recordação

Este é o momento
Em que já não se confunde o coração
Com axónios e sinapses
Este é o momento que ri
De todas as falsas interpretações
Sobre o tempo em modo biológico
Em que a intuição diz basta!
De teorias incompletas
De falsas explicações
Este é o vento que sopra
O maior de todos, e o menor
Que encontra na recordação a grandeza
Se o não compreendes
Tu não o compreendes
Se não plantas, enfim
Serás o ser que és, simplesmente
Uma recordação de futuro nesta farsa
A miséria incrustada num ponto de nós
Serás carne e nada, porque nada
É o zero de sentimento, o menos que um
Será esse pequeno instante
E serás sempre assim por diante
Enquanto nós, minúsculos e irrelevantes
Tentaremos a quimera, tentaremos ser grandes
Haverá sempre aquele ponto mísero de luz
Haverá sempre a esperança, ou uma só esperança
Existirão as teorias dos psicólogos rebatidas por uma só experiência
E um campo de prazer, e um amor, um só amor
Sempre, sempre um só amor
Haverá, um microssegundo de esperança
Um momento sistémico que transformará
Todos os momentos em réplicas do momento da esperança
Mesmo que saibamos que não existe verdadeira partilha
Este é o momento em que dizemos não!
Ao que as hormonas ordenam
Esse sempre procurado momento de paz
O tesouro guardado na nossa faringe
Em gemidos de amor se transforma no real
Esse sentimento ancestral, essa esperança
Em modo incompleto, inútil, de ser homem
A pretensão infantil de ser, este símbolo
Esta maldição eterna, perene e imbecil
Uma comédia negra mascarada de tragédia
Imperfeita, irreal, impossível
Se do poema se fez nada, do suspiro fez-se tudo
Todo o amor é superação
Aquilo de que necessito
Um hino à completude, uma brincadeira
O sentido, uma ilusão boa, brincadeira
Assim continuamos, sentindo o que o corpo
Nos obriga a sentir, aquilo que a alma
Nos obriga a enganar, aquilo a que chamamos
O sentido, uma anedota de lindas cores
Um beco sem saída, uma coisa linda
Um certo brilho no olhar, um andar
Um bambolear inesquecível, uma forma
Entre o sim e o não está o Todo, eu vejo-o
Naquela forma bamboleante de Homem, não
De Mulher, de anjo, de deusa de tudo
Eu vejo-a, e será o momento, o coração
Obrigado por impulsos sinápticos, eu dizia
Que o coração me transporta em frente, ao instante
Do Todo, tudo o que significa, o magnífico
A compreensão do instante como instantâneo
Meu irmão! Meu amor, meu doce e terno amor
Instantâneo, minha querida e doce forma de vida
Agora sim, os amantes poderão ser tristes
Não existe qualquer contradição, meu amor
Afinal preencher os bocados que nos faltam não é
A mesma coisa que nos completarmos, sabes bem
Que não é; e que a recordação do momento
É tão forte que toma o lugar do momento
Propriamente dito. Enquanto nos perdemos
Na recordação somos como deuses, somo como
Tudo, em nós tudo perpassa, tudo se faz
Verdadeiro, em nós toda a beleza aparece
Consumindo-se em autofagia, e meu amor
É isso que significa a recordação do momento

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Porque é que assassinámos o Zeca Afonso?

O hábito vence-nos, eis porquê
Daqui decorre: que somos frustrados, fodidos, uns parvos de espírito
Uns deuses-reis, amantes deste acorde, desta belíssima voz

Estou a cinquenta quilómetros de casa           não tenho casa
Vejo-me a desfalecer sobre a casa       sou a minha casa
Sou a força irredutível que constrói as fundações       a minha casa
Sou o trapézio formidável, sou os aplausos impublicáveis        sou a voz
Desejo o desejo, e movimento o movimento para que se torne eu         sou a luz
Sou o fogo, sou as velas            sou o cálice
Eu sou eu, Rolando, e tu também eras eu
Há um grito dentro de mim
Há um gesto inexplicável dentro de mim
Há mil coisas inexplicáveis dentro de mim
Eu estou a ser o outro, Rolando
Eu estou a ir contigo para o céu

Só escrevo porque não tenho mais nada para fazer
Dêem-me uma televisão, um PC, uma playstation
Dêem-me uma conversa, um amor, uma foda
Dêem-me um sitio sem papel e caneta, que eu não hei-de escrever

Quando se é doido, há certas vantagens que se devem aproveitar
O pior da novela é quando somos doidos no momento errado
Aí não há elegância. Só erros.

O Nosso Chão

Já te escreví um poema
Música longínqua
Um dia dissecaste-me nas tuas notas
Um dia a tua beleza
Fez de mim mais um que nasceu
Um dia essas palavras cantadas
Fizeram-me escrever
Esses momentos em que plantámos os sonhos
No chão frio em que dormimos
Dá-me uma garrafa, dá-me um cobertor
Dá-me uma passa, dá-me o amor
Dorme ao meu lado, dorme, amor
É nosso o chão frio
É nosso e será sempre
O nosso chão

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Nós estamos

Nós estamos em lado nenhum
Lado nenhum há para estar
Nós somos uma luz, um momento
E sabemos que nem sequer há
Redenção para o momento
Nos sabemos que não há
Tempo, nem momento, nem nada
Nós sabemos que o que há
É um buraco negro, ou nem sequer
Nós sabemos que não há

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Fragmentos Satânicos

Mesmo eu preciso
De deixar de ser para
Escrever, amar as árvores
Para ser o ponto, o riso
O meu ponto obscuro, aqui, ao alcance
De um qualquer que venha dos macacos
Não dos outros, os desconhecidos
Aqui e lá, é sempre como
Se fôssemos, se pensássemos
Aqui e lá em Las Vegas
A roleta
Não te cases
Casa-te
Vomita
Vomita neles
Como um nome
Como uma ideia, feita pela droga
Abandona-te
A estes versos escritos pelo demónio
Limita-te no demónio
E aos tambores, que ribombam, ribombam
Violoncemos
Orquestras

Páginas profanadas
Daqui a quinze anos
A mesma merda
Mastiga
E engole
Vomita, regurgita
O muro, todos os muros
A visão
Nada, doutor, mas nada mais que os meus primos enfentaidos com a comédia dos oráculos, com os acordes da tristeza, com a mesma coisa que não, digamos
Nada!
A merda do nada enviesado
Por um espelho de nada, pois
Um amigo que faz com a certeza de, pois
Uma marcha, um canto, uma ilusão alimentatória, um
Id, eg, ord
A revolução pregada na História
Numa lágrima

Rir, numa lágrima
A lágrima, vida feita a coisa
O remédio
Subtil
Aqui, não falhaste
A nação espera por ti
Tens o destino para ser
Eu espero por ti
No café
Para bebermos um café
Tranquilamente
Passa uma hora
E eu espero
Mais um dia
E eu espero
Pela raiva
Pelo ódio
Pela natureza
Pelo crime
Eu amo-te!

Disse-me ele que era
O monstro entre nós
O tranquilo, o final
E que estava farto
De trópicos capricórnios
Que estava aqui para ser
Não para ver que o nada
É o pretexto das bibliotecas
E das defecações

Jorge, o meu belo Jorge
De caligrafia apurada
Os pobres escutam os menos pobres
Acerca dos seus problemas
E bebemos um copo
Na esplanada da encruzilhada
É tarde demais...

domingo, 6 de junho de 2010

Rolando

Aqui vai Rolando
A caminho do infinito
Vai morto andando
Esquecendo o sentido

Rolando era Deus
Pregou-se a partida
A caminho dos céus
Vai Rolando de subida

Esqueceu o sentido
E o resto ignora
Aqui vai meu amigo
Chegou a sua hora

Aquilo que resta
De Rolando, o Deus
É a perpétua festa
Que oferecia aos seus

A razão porque foi
Em verdade é nenhuma
Mas iremos os dois
Ver essa verdade una

Onde ele agora está
Seja lugar algum
Seja outro, se o há
É Rolando, mais nenhum

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Este Homem

Por todos os lados onde se situa
Aquela paixão pelo universo
Onde fixa o ponteiro do pensamento
E onde estamos não tão sós como agora
Por todos os sinos que replicam
Pelos pecados da natureza
E todas as ondas sejam uma em mim
Seja eu, o outro, o mais profundo
Todos os dias e todas as noites
Sejas tu, o mais amante de nós
Este homem!

E quando somos homens tranquilos
Olvidamos o ruído e beijamo-nos
E quando no mais endógeno nos encarceramos
Á procura do espaço e do tempo
Em roda…

E se eu e
Tu fossemos um só
E só por uma vez
Este homem fosse um Homem
Em modo de se ver ao espelho no rio
Quando no rio todas as coisas aparecem
Em modo de tudo
Como se tu e eu fossemos nada
Só desta vez…

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Porque eu quis ser

Porque eu quis ser
O que o Homem é
Por isso não fui
O que o Homem é

Porque eu quero
O segredo da metamorfose
E porque entendo o princípio
Como um conflito irrespondível
Entre mim e os outros
Porque eu sou o ser trágico por definição
Vejo esta gente palrando palavras
E quando vejo uma bandeira
Choro pela definição

Os nossos amigos
Partem aos poucos
E daqui a pouco
Também eu partirei
Também tu, meu irmão
Partirás, e virão outros
Para partirem também...

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Proveito da Liberdade

Todos temos a liberdade de nos matar
Ficar de fora

Eis aquilo a que se chama de liberdade
Ter a liberdade de ficar de fora

O belo proveito da História da Liberdade
É ficar de fora

Perante o Horror, tens a liberdade de te dissolver
Ficar de fora

Mulher Poker

Tu tinhas um leve odor sequioso de algo
Sentia-se o teu odor, ele exalava dos poros
Sexuais que o corpo têm. Tu tinhas
Um sorriso aberto e tímido ao mesmo tempo, sensual
Mente a tela do rosto, distância se repercute
Tu tinhas um jeito de Vénus, princesa debruçada
Sobre a mesa catártica no lugar do entorpecimento
Havia um Raio Gama, baixava sua rotação triste
Fluorescendo pétalas carmins, tu tinhas
A mão sobre o carmim, absorvendo-o longínqua
Lembravas-me uma imagem, o ecrã esquecido, um
Momento em que quase tudo se recompôs da queda

Tu tinhas um brilho, a tua pele reflectia
As luzes brancas e o azul das mesas. Tu tinhas
O azul dentro ti, mas à tua volta eu via
O negro e tu submergindo em bocas que te rodeiam
Tu tinhas uma pérola no umbigo e ela partiu-se, tornou-se
A lágrima que percorreu o meu rosto, e ela viu-te
Tu viste-me transtornando-me, soçobrando no ar
Alucinando o sonho onde tu e eu deveríamos estar
Se os sonhos fossem mais do que avisos. Tu tinhas
O descompasso do coração, a coragem mimoseada
O odor, o olhar acerbo, esse carácter jogador
Eu queria-te tanto, mas joguei a carta errada