sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Aos amigos


Tudo se transforma num
Movimento
O Rock and Roll é
Movimento
A pergunta é:
“O que é que eu acho disto tudo?”

Mais é mais,
Penso se vale sempre
A pena
Não sei, mas sei
Processar

Sublime desarranjo sobre nada
Breves revoluções
O novo mundo, vórtices
Alguém pára a revolta
São todos culpados
Engolidos pelo mar
A humanidade à espera
Nas ruas

Vou cantar, posso cantar
O “New York” ou qualquer coisa
Uma grande eloquente merda
Não o faças, por favor!
Celebra! Faz anos!
É rolar, é rolar
Skate park abaixo, skate park acima
A poesia é um momento
Em que o homem se esbate
Serve para transformar a vida
Em momento de nós próprios
Em solução para nós próprios
Até que surja
A canção

O velho toca a canção
"Que é dos velhos e dos novos?"
Ah! Que canção!

Ponto de vista:
Paranóia
Não me sai da boca este hálito a bagaço
Não paro de tentar ter um discurso coerente sobre as coisas
De tentar contentar-me com o meu registo
De me tornar estéril

“Vocês não se vão lembrar nunca desta parte da canção
Ela é demasiado transparente
Os seus versos brilham como topázios ao luar
As suas notas encadeiam-se como o canto das sereias
E ao mar alto ela vos condenará
Ao mar azul onde vos perdereis todos”

"O chão que pisas, o ar que respiras
Uma hipocrisia
Viver é uma tarefa árdua
A dignidade humana
Um fardo
Vivemos o oposto da vida
Uma prisão de expressão
Respiramos acima da água
Para voltar a submergir, condenados a não ver o sol 
Mais que um pálido momento
Um pálido sol de inverno por cima das nossas cabeças coroadas
Reis do reino da ilusão"

Fazes uma estrelinha
E voas lá por cima

É grande, é complexa
A tua simples flor
Ao amanhecer
E nas gotinhas de orvalho
Antecipas um ciclo

É do caralho
Em todos os sentidos
É do caralho
Para o que tem de bom
E é do caralho
Para o que tem de mau
Um equilíbrio, portanto
Debaixo da ponte
Fazia eco e estava muito escuro
E não houve mais nada

E todos nos tornámos
Umas bestas
E todos dançámos
Como bestas
Médicos e doentes
Coveiros e defuntos
Mergulhámos na terra
Escavámos bem fundo
Rodeámo-nos de gente
E porfiámos nos mundos
Que o tempo encerra

É como estar em Berlim!
Outra vez...
Nebulosa translucida
Que me ofusca
Um azul mais frio
E mais triste
Uma matiz suave
De azuis

A cor é essencial
Há uma cor em cada música
E há a cor mais especial, a que
Está dentro de cada um de nós

Muito frio
Muito sério fico eu
Em face da morte
O nada é, pelo menos
Alguma coisa
Quanto a isso nada a dizer, amigo
Nada contra

Nada, nunca nada chega
Não te contentas
Com um aperto de mão?
Um carinho, um beijinho
Uma ilusão?
Tens de ser tão, tão
Visceral e toda feita
De pulsão?

Tens de ser essa consciência
Do outro, da sua essência?
E essa seminal ideia
De resistência?

Tens que ter dentro de ti
Tanta vida e tanta morte?
Tens de ser assim tão forte?

Tem que existir algo que se assemelhe
A uma consciência do outro
Essa hipótese indemonstrável
Tem de ter um sentido maior
Desfeitos todos os métodos
O actor comunica, debate-se
Com a visão do outro em si
E reconhece a sua essencial virtude

O que é muito bom
Já é uma tradução
De uma outra coisa

É dentro da carne
Que se a conhece
É lá que vale a pena

Um momento de paz
Só para variar:
A banda vai começar!

Um trovão de homens, e de outros homens, e de outros trovões, e de coisas feitas homens
Um trovão de almas, de gestos, e de outras almas, e de carne feita gestos

Um sonho incrível, vivido acordado
Amor e amizade, a redenção possível
Um imenso obrigado
Pelo indizível.


sexta-feira, 18 de julho de 2014

Cantiga do Escravo

Sou um escravo mas tenho trabalho
Ter trabalho faz bem à gente
Sou um escravo e vivo contente
Também não assim tanto valho

Sou um escravo, de muito afinco
Uns euros de ordenado
Os euros, para o condenado
São setecentos e oitenta e cinco

A minha casa é noutro país
É um pouco melhor que esta
Euros, poucos me restam
Para mandar para esse país

Ter trabalho é importante
Mesmo que seja uma tortura
A vida é uma grande aventura
No mundo sou viajante

Sou um escravo, vivo contente
Outros há muito pior
Conheço bem essa dor
Que vive dentro da gente

Amigos de vários países
Partilham os contentores
Contam-me diferentes horrores
Parecem os amigos felizes

Enquanto apanham amoras
Morangos, mirtilos, framboesas
E tantas outras riquezas
Por esses campos afora

O patrão é um bom homem
Paga pouco mas é honesto
Lugar nenhum a protesto
Há outros que nem comem!

O meu incondicional amor
É enviar para a família
O pão nosso de cada dia
O sangue de nosso senhor

Eu vivo para dar aos meus
Aquilo que ninguém me deu
Evangelho de São Mateus:
"Morrer e ascender aos céus"

E disse o nosso senhor:
“Todo o trabalho é sagrado!
Ceifar o trigo, pastar o gado!
Trabalhemos com muito amor”

E vivemos essa inocência
Enviamos para a família
A sagrada homilia
O cheque ou a transferência

Jesus, senhor dos céus!
Barrabás, ó meu irmão!
A minha culpa, o teu perdão...
Meu senhor, somos teus réus!

O senhor é grande, rei de nós
É o limite derradeiro
Neste nosso estrangeiro
Nunca nos deixará sós

E que vá para o caralho
O nosso grande inimigo
O autóctone, fodido
Que lhe roubamos o trabalho

Senhor Jesus! Tua ascenção!
Luta de classes, nem saber
O meu destino é sobreviver
O meu amigo é o meu patrão!

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Nem escolher nem
Deixar de escolher
Assim é
A vida

Não escolhas, deixa
A coisa escolher por ti
Assim permanecerás
Vivo

Quando fores
Mesmo escolher
Tenta não escolher
A vida

Pois senão
Arriscas-te a escolher
Sem querer
Escondida


A vida

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Uma casa em Mértola

Apenas as balas certas
Tudo se passa assim:
Gémeos siameses
Vão viver para Mértola

A cidade é um luxo
A cidade está deserta
Meia dúzia de sínteses
Vamos viver para Mértola?

Mértola está deserta
E a cidade fervilha
Mesmo assim nossa paz
Fica a muitas milhas

Mértola é um sonho
Uma imagem ao perto
Mil sonhos vigiam
A nossa casa nos escombros

Do nada que somos
Fizemos uma casa
Mas ao nada abandono
A minha casa em Mértola

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Em Maio, a pastelaria

De manhã, de soslaio
Uma luz que só em Maio
Agora, a pastelaria
Uma memória, eu perdi-a
A madame já não pede
Bolo e creme, agora cede
Aos rapazes que lá vão
Acabar-se onde estão

Já não pede leite ou nata
Antes observa a passeata
E tem medo, e avalia
O sentido do novo dia
Sonhando com quando havia
Menos gente, mais alegria
E outra forma de melancolia
Que ao menos conhecia

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O mar


Desde há pelo menos cinco mil anos
Que eu ando por aqui.
Tu viste-me, em variadas ocasiões
Desde esse tempo. Por exemplo,
Viste-me a atravessar o mar
A inventar, a dominar
Viste-me a julgar-me ser, agora, o ser
A ser o mais vão de todos os seres
Estupidamente inteligente
A desejar a aprovação do meu par
A querer estender a aprovação para mais um outro
A afogar-me de repetição
A encontrar o vazio puro
Involuntária síntese
Viste-me a correr de um lado para o outro
A estar, só por um momento, aqui
De tudo isto eu fiz uma outra coisa, muito grande mas
Pequena
Muito pequena…
Necessitando de síntese. Esperando
Por um outro, um que seja eu
Afastando o olhar dos outros
Querendo deixar de entender, deixar de ser
Pondo a sua vida ao serviço dos outros
Fazendo de si o espelho dos outros
Vivendo para desmultiplicar a operação que cria uma outra vida
Deixando o seu testemunho – lápide de cemitério – para outros
Mesmo quando sendo ser – só para outros
Definindo o sentido de palavras a partir de uma interpretação
Falhando na interpretação
Sempre, falhando, em interpretar os dados da experiência
Não entendendo a questão mais problemática
A da morte,
Recusando observar essa questão
Inventando mil e um artifícios para a ignorar
Cada qual aumentando mais e mais o desespero e a necessidade de consolo
Ilusão
Iludindo-me
Aborrece-me
Entristece-me
Fazendo tudo para inglês ver
Representando bem o papel, este ou o outro, o papel
Eu ando por aí, vagueando tão só!
Tão perdidamente só!
Há pelo menos cinco mil anos…
Sempre, sempre a inventar novos modos
De não entender as questões importantes
Cervantes
Indigna-me
Regenera-me
Às voltas com os seus moinhos
Coitadinhos
Tão sós que a paisagem os tem
O meu sitiozinho
O quadradinho
Viste-me, a rebentar o quadrado
A entender o que é dado
Como um problema sem solução
Quando o problema é a solução
Quando a solução é a servidão
Para quem? Quem está do lado de lá
Do meu discurso? Quem é o Gólgota
Que se esconde por detrás daquela árvore?
Magma indefinido da alma
Vulcão paciente que espera e espera e
Magica novos trilhos de lava
Fossiliza os espíritos que atravessam
O caos, a estrada sem sinais
E os outros, os tais
Que escrevem os seus ais
Uma necessidade inconcebível
De ser o ser
A forma da representação
O tempo
O outro
O ser
O whisky e as pedras de gelo
Um grilo falante
Nós
O nosso bocadinho
O nosso amor
O quadradinho
As suas polidas arestas
E o gasto que dá para o gasto
As infinitas alternativas
O mundo possível, todos
Dentro daqui
Bailando dentro desta coisa
O ser
Este ser
Fazendo o erro
Vivendo deliberadamente a errar
Oh – a mortalidade! – Oh – a vaidade!
Seguros, sós, vão
Procurando a aprovação dos amigos
Vivendo assim, em vão
Milhares e milhares de anos
Aguardando
Acreditando
Rezando
Aguentando isto
Sendo um campeão
Ganhando as jogadas todas
Dando xeque-mate
Fazendo o óbvio
Frequentando os sítios do costume
Bebendo as bebidas do costume
Sendo – o costume!
Vivendo no meio das costumeiras bestas
Aprumando a linha, coitadinha
Que me envolve, pequenina
Me enforma, tão certinha
Bloco de cimento, a luz
A alma
O que se produz
Mil viagens de amor e roldanas
Milhões e milhões de camas
Biliões de noites escuras
Triliões de garrafas de whisky
Sucedâneos do whisky
Simpáticos e reconfortantes
Publicidade para amantes
Estudos de mercado
E ao fim e ao cabo
O vazio
O nada
O horror
Aqui, mesmo adiante
Uma trip nada elegante
Um chilrear de um passarinho
Coitadinho
Um outro que se perdeu, não fui eu!
Sou, pelo contrário, a estrela
Lá vai ela
O ser do meu bar
A praia do meu bar
Que me faz esquecer
De pensar
Sobre o mar
O mar…
O mar…

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Como?

A mão, que se move automaticamente
Enquanto o corpo fala
O gesto, repete, mecanismo
Aprendido na ponta da escola
O lugar, à esquerda do patrão
Nas cadeiras da evolução
Um ou outro criarão tempo
Assassino de outro tempo onde
A minha mão ainda não era
E eu não sabia ainda o suficiente
Se nunca se pára, essa é outra questão
E mais uma vez, ainda outra palavra
O meu borrão, a linha ácida
A vergonha do meu poema é
A necessidade do meu poema
Eu, poema, a palavra no meio
Destruir a palavra? Como?

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Viver ou não viver, é a mesma coisa
Se pensarmos no bom velho Mário de Sá
Ver o que aparece, o que por aqui há
É igual a não ver, porque no fim

Tudo vai desaparecer, assim
Como qualquer coisa que aparece
É impossível de perceber, essa prece
Por existir uma coisa mais que mim

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Torre

Assombro o relógio, persigo as horas, declaro guerra ao tempo
Existo momento, guilhotino a janela, cerro a porta ao instante
Humilho o papel, estendo o lençol, aguardo-me fim fatigado
Esmago o piano, conspurco o livro, lanço-me nu ao rio

Corto a cabeça da boneca, corto o pelo do cão, desassombro-me
Olho nos olhos do ídolo, desmascaro-o, cuspo-lhe na roupa nova
Arranco as asas do anjo, arranco a minha mão desnecessária
Mão de ferro forjada, esguicha o sangue e domino-o à dentada

Dinamito a pérola, emendo a morte cortando os lábios amados
Metralho o Sol, rebento com a Lua, fico só eu e as estrelas
Não me chega o vácuo, tinjo-o pulverizante de matéria negra
Retiro a moldura ao quadro, apago-lhe as flores, apago-o

Assopro na vela e decreto a noite como natureza das almas
Retiro a máscara, sujo-me de verdade, espanco o cachaço dos homens
Faço navegar o barco para fora da garrafa, decreto-me seu capitão
Despeço os carregadores de liteiras, e carrego-as eu às costas

Amanso o mar, afundo a ilha, descoloro as cores tropicais
Lanço-me louco nas profundezas da alma, torno a loucura banal
Mato Deus, ressuscito-o para que perceba quem manda
Entro nos cérebros e apago as histórias, acordando não haverá nada

Desboto os papéis escritos, serão todos escritos em vão
Danço o tango com o poeta, ele fica tonto, eu atiro-o para o chão
Assenhoro-me dos dedos do músico e ensino-lhe a música da morte
Estorvo a passagem da ambulância convencendo o moribundo da sua sorte

Avanço aos pulos sobre os telhados, escarneço dos superficiais
Rodopio na auréola do anjo, masturbo-me na cauda de Satã
Desfaço o nó da gravata, tiro a camisa, arranco a pele
Ponho a mão no coração e arranco-o também, a seguir a jugular

Faço malabarismos com o fígado, o baço e o pâncreas
Surjo na rua corpo sem órgãos, encontro uma camisa e uma gravata
Como a gravata e vomito, troco os meus órgãos pela camisa
Embrulho o vómito na camisa e caminho sem direcção

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Por esperar a estrela

Por esperar a estrela
Adeus, querida, amei-te muito
O sonho ofuscante, ei-la

Por sonhar com lágrimas pois
Desejo de ser velho ser
Um palhaço

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Enquanto nos perdemos na recordação

Este é o momento
Em que já não se confunde o coração
Com axónios e sinapses
Este é o momento que ri
De todas as falsas interpretações
Sobre o tempo em modo biológico
Em que a intuição diz basta!
De teorias incompletas
De falsas explicações
Este é o vento que sopra
O maior de todos, e o menor
Que encontra na recordação a grandeza
Se o não compreendes
Tu não o compreendes
Se não plantas, enfim
Serás o ser que és, simplesmente
Uma recordação de futuro nesta farsa
A miséria incrustada num ponto de nós
Serás carne e nada, porque nada
É o zero de sentimento, o menos que um
Será esse pequeno instante
E serás sempre assim por diante
Enquanto nós, minúsculos e irrelevantes
Tentaremos a quimera, tentaremos ser grandes
Haverá sempre aquele ponto mísero de luz
Haverá sempre a esperança, ou uma só esperança
Existirão as teorias dos psicólogos rebatidas por uma só experiência
E um campo de prazer, e um amor, um só amor
Sempre, sempre um só amor
Haverá, um microssegundo de esperança
Um momento sistémico que transformará
Todos os momentos em réplicas do momento da esperança
Mesmo que saibamos que não existe verdadeira partilha
Este é o momento em que dizemos não!
Ao que as hormonas ordenam
Esse sempre procurado momento de paz
O tesouro guardado na nossa faringe
Em gemidos de amor se transforma no real
Esse sentimento ancestral, essa esperança
Em modo incompleto, inútil, de ser homem
A pretensão infantil de ser, este símbolo
Esta maldição eterna, perene e imbecil
Uma comédia negra mascarada de tragédia
Imperfeita, irreal, impossível
Se do poema se fez nada, do suspiro fez-se tudo
Todo o amor é superação
Aquilo de que necessito
Um hino à completude, uma brincadeira
O sentido, uma ilusão boa, brincadeira
Assim continuamos, sentindo o que o corpo
Nos obriga a sentir, aquilo que a alma
Nos obriga a enganar, aquilo a que chamamos
O sentido, uma anedota de lindas cores
Um beco sem saída, uma coisa linda
Um certo brilho no olhar, um andar
Um bambolear inesquecível, uma forma
Entre o sim e o não está o Todo, eu vejo-o
Naquela forma bamboleante de Homem, não
De Mulher, de anjo, de deusa de tudo
Eu vejo-a, e será o momento, o coração
Obrigado por impulsos sinápticos, eu dizia
Que o coração me transporta em frente, ao instante
Do Todo, tudo o que significa, o magnífico
A compreensão do instante como instantâneo
Meu irmão! Meu amor, meu doce e terno amor
Instantâneo, minha querida e doce forma de vida
Agora sim, os amantes poderão ser tristes
Não existe qualquer contradição, meu amor
Afinal preencher os bocados que nos faltam não é
A mesma coisa que nos completarmos, sabes bem
Que não é; e que a recordação do momento
É tão forte que toma o lugar do momento
Propriamente dito. Enquanto nos perdemos
Na recordação somos como deuses, somo como
Tudo, em nós tudo perpassa, tudo se faz
Verdadeiro, em nós toda a beleza aparece
Consumindo-se em autofagia, e meu amor
É isso que significa a recordação do momento

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Porque é que assassinámos o Zeca Afonso?

O hábito vence-nos, eis porquê
Daqui decorre: que somos frustrados, fodidos, uns parvos de espírito
Uns deuses-reis, amantes deste acorde, desta belíssima voz

Estou a cinquenta quilómetros de casa           não tenho casa
Vejo-me a desfalecer sobre a casa       sou a minha casa
Sou a força irredutível que constrói as fundações       a minha casa
Sou o trapézio formidável, sou os aplausos impublicáveis        sou a voz
Desejo o desejo, e movimento o movimento para que se torne eu         sou a luz
Sou o fogo, sou as velas            sou o cálice
Eu sou eu, Rolando, e tu também eras eu
Há um grito dentro de mim
Há um gesto inexplicável dentro de mim
Há mil coisas inexplicáveis dentro de mim
Eu estou a ser o outro, Rolando
Eu estou a ir contigo para o céu

Só escrevo porque não tenho mais nada para fazer
Dêem-me uma televisão, um PC, uma playstation
Dêem-me uma conversa, um amor, uma foda
Dêem-me um sitio sem papel e caneta, que eu não hei-de escrever

Quando se é doido, há certas vantagens que se devem aproveitar
O pior da novela é quando somos doidos no momento errado
Aí não há elegância. Só erros.

O Nosso Chão

Já te escreví um poema
Música longínqua
Um dia dissecaste-me nas tuas notas
Um dia a tua beleza
Fez de mim mais um que nasceu
Um dia essas palavras cantadas
Fizeram-me escrever
Esses momentos em que plantámos os sonhos
No chão frio em que dormimos
Dá-me uma garrafa, dá-me um cobertor
Dá-me uma passa, dá-me o amor
Dorme ao meu lado, dorme, amor
É nosso o chão frio
É nosso e será sempre
O nosso chão

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Nós estamos

Nós estamos em lado nenhum
Lado nenhum há para estar
Nós somos uma luz, um momento
E sabemos que nem sequer há
Redenção para o momento
Nos sabemos que não há
Tempo, nem momento, nem nada
Nós sabemos que o que há
É um buraco negro, ou nem sequer
Nós sabemos que não há

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Fragmentos Satânicos

Mesmo eu preciso
De deixar de ser para
Escrever, amar as árvores
Para ser o ponto, o riso
O meu ponto obscuro, aqui, ao alcance
De um qualquer que venha dos macacos
Não dos outros, os desconhecidos
Aqui e lá, é sempre como
Se fôssemos, se pensássemos
Aqui e lá em Las Vegas
A roleta
Não te cases
Casa-te
Vomita
Vomita neles
Como um nome
Como uma ideia, feita pela droga
Abandona-te
A estes versos escritos pelo demónio
Limita-te no demónio
E aos tambores, que ribombam, ribombam
Violoncemos
Orquestras

Páginas profanadas
Daqui a quinze anos
A mesma merda
Mastiga
E engole
Vomita, regurgita
O muro, todos os muros
A visão
Nada, doutor, mas nada mais que os meus primos enfentaidos com a comédia dos oráculos, com os acordes da tristeza, com a mesma coisa que não, digamos
Nada!
A merda do nada enviesado
Por um espelho de nada, pois
Um amigo que faz com a certeza de, pois
Uma marcha, um canto, uma ilusão alimentatória, um
Id, eg, ord
A revolução pregada na História
Numa lágrima

Rir, numa lágrima
A lágrima, vida feita a coisa
O remédio
Subtil
Aqui, não falhaste
A nação espera por ti
Tens o destino para ser
Eu espero por ti
No café
Para bebermos um café
Tranquilamente
Passa uma hora
E eu espero
Mais um dia
E eu espero
Pela raiva
Pelo ódio
Pela natureza
Pelo crime
Eu amo-te!

Disse-me ele que era
O monstro entre nós
O tranquilo, o final
E que estava farto
De trópicos capricórnios
Que estava aqui para ser
Não para ver que o nada
É o pretexto das bibliotecas
E das defecações

Jorge, o meu belo Jorge
De caligrafia apurada
Os pobres escutam os menos pobres
Acerca dos seus problemas
E bebemos um copo
Na esplanada da encruzilhada
É tarde demais...

domingo, 6 de junho de 2010

Rolando

Aqui vai Rolando
A caminho do infinito
Vai morto andando
Esquecendo o sentido

Rolando era Deus
Pregou-se a partida
A caminho dos céus
Vai Rolando de subida

Esqueceu o sentido
E o resto ignora
Aqui vai meu amigo
Chegou a sua hora

Aquilo que resta
De Rolando, o Deus
É a perpétua festa
Que oferecia aos seus

A razão porque foi
Em verdade é nenhuma
Mas iremos os dois
Ver essa verdade una

Onde ele agora está
Seja lugar algum
Seja outro, se o há
É Rolando, mais nenhum

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Este Homem

Por todos os lados onde se situa
Aquela paixão pelo universo
Onde fixa o ponteiro do pensamento
E onde estamos não tão sós como agora
Por todos os sinos que replicam
Pelos pecados da natureza
E todas as ondas sejam uma em mim
Seja eu, o outro, o mais profundo
Todos os dias e todas as noites
Sejas tu, o mais amante de nós
Este homem!

E quando somos homens tranquilos
Olvidamos o ruído e beijamo-nos
E quando no mais endógeno nos encarceramos
Á procura do espaço e do tempo
Em roda…

E se eu e
Tu fossemos um só
E só por uma vez
Este homem fosse um Homem
Em modo de se ver ao espelho no rio
Quando no rio todas as coisas aparecem
Em modo de tudo
Como se tu e eu fossemos nada
Só desta vez…

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Porque eu quis ser

Porque eu quis ser
O que o Homem é
Por isso não fui
O que o Homem é

Porque eu quero
O segredo da metamorfose
E porque entendo o princípio
Como um conflito irrespondível
Entre mim e os outros
Porque eu sou o ser trágico por definição
Vejo esta gente palrando palavras
E quando vejo uma bandeira
Choro pela definição

Os nossos amigos
Partem aos poucos
E daqui a pouco
Também eu partirei
Também tu, meu irmão
Partirás, e virão outros
Para partirem também...

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Proveito da Liberdade

Todos temos a liberdade de nos matar
Ficar de fora

Eis aquilo a que se chama de liberdade
Ter a liberdade de ficar de fora

O belo proveito da História da Liberdade
É ficar de fora

Perante o Horror, tens a liberdade de te dissolver
Ficar de fora

Mulher Poker

Tu tinhas um leve odor sequioso de algo
Sentia-se o teu odor, ele exalava dos poros
Sexuais que o corpo têm. Tu tinhas
Um sorriso aberto e tímido ao mesmo tempo, sensual
Mente a tela do rosto, distância se repercute
Tu tinhas um jeito de Vénus, princesa debruçada
Sobre a mesa catártica no lugar do entorpecimento
Havia um Raio Gama, baixava sua rotação triste
Fluorescendo pétalas carmins, tu tinhas
A mão sobre o carmim, absorvendo-o longínqua
Lembravas-me uma imagem, o ecrã esquecido, um
Momento em que quase tudo se recompôs da queda

Tu tinhas um brilho, a tua pele reflectia
As luzes brancas e o azul das mesas. Tu tinhas
O azul dentro ti, mas à tua volta eu via
O negro e tu submergindo em bocas que te rodeiam
Tu tinhas uma pérola no umbigo e ela partiu-se, tornou-se
A lágrima que percorreu o meu rosto, e ela viu-te
Tu viste-me transtornando-me, soçobrando no ar
Alucinando o sonho onde tu e eu deveríamos estar
Se os sonhos fossem mais do que avisos. Tu tinhas
O descompasso do coração, a coragem mimoseada
O odor, o olhar acerbo, esse carácter jogador
Eu queria-te tanto, mas joguei a carta errada