sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Aos amigos


Tudo se transforma num
Movimento
O Rock and Roll é
Movimento
A pergunta é:
“O que é que eu acho disto tudo?”

Mais é mais,
Penso se vale sempre
A pena
Não sei, mas sei
Processar

Sublime desarranjo sobre nada
Breves revoluções
O novo mundo, vórtices
Alguém pára a revolta
São todos culpados
Engolidos pelo mar
A humanidade à espera
Nas ruas

Vou cantar, posso cantar
O “New York” ou qualquer coisa
Uma grande eloquente merda
Não o faças, por favor!
Celebra! Faz anos!
É rolar, é rolar
Skate park abaixo, skate park acima
A poesia é um momento
Em que o homem se esbate
Serve para transformar a vida
Em momento de nós próprios
Em solução para nós próprios
Até que surja
A canção

O velho toca a canção
"Que é dos velhos e dos novos?"
Ah! Que canção!

Ponto de vista:
Paranóia
Não me sai da boca este hálito a bagaço
Não paro de tentar ter um discurso coerente sobre as coisas
De tentar contentar-me com o meu registo
De me tornar estéril

“Vocês não se vão lembrar nunca desta parte da canção
Ela é demasiado transparente
Os seus versos brilham como topázios ao luar
As suas notas encadeiam-se como o canto das sereias
E ao mar alto ela vos condenará
Ao mar azul onde vos perdereis todos”

"O chão que pisas, o ar que respiras
Uma hipocrisia
Viver é uma tarefa árdua
A dignidade humana
Um fardo
Vivemos o oposto da vida
Uma prisão de expressão
Respiramos acima da água
Para voltar a submergir, condenados a não ver o sol 
Mais que um pálido momento
Um pálido sol de inverno por cima das nossas cabeças coroadas
Reis do reino da ilusão"

Fazes uma estrelinha
E voas lá por cima

É grande, é complexa
A tua simples flor
Ao amanhecer
E nas gotinhas de orvalho
Antecipas um ciclo

É do caralho
Em todos os sentidos
É do caralho
Para o que tem de bom
E é do caralho
Para o que tem de mau
Um equilíbrio, portanto
Debaixo da ponte
Fazia eco e estava muito escuro
E não houve mais nada

E todos nos tornámos
Umas bestas
E todos dançámos
Como bestas
Médicos e doentes
Coveiros e defuntos
Mergulhámos na terra
Escavámos bem fundo
Rodeámo-nos de gente
E porfiámos nos mundos
Que o tempo encerra

É como estar em Berlim!
Outra vez...
Nebulosa translucida
Que me ofusca
Um azul mais frio
E mais triste
Uma matiz suave
De azuis

A cor é essencial
Há uma cor em cada música
E há a cor mais especial, a que
Está dentro de cada um de nós

Muito frio
Muito sério fico eu
Em face da morte
O nada é, pelo menos
Alguma coisa
Quanto a isso nada a dizer, amigo
Nada contra

Nada, nunca nada chega
Não te contentas
Com um aperto de mão?
Um carinho, um beijinho
Uma ilusão?
Tens de ser tão, tão
Visceral e toda feita
De pulsão?

Tens de ser essa consciência
Do outro, da sua essência?
E essa seminal ideia
De resistência?

Tens que ter dentro de ti
Tanta vida e tanta morte?
Tens de ser assim tão forte?

Tem que existir algo que se assemelhe
A uma consciência do outro
Essa hipótese indemonstrável
Tem de ter um sentido maior
Desfeitos todos os métodos
O actor comunica, debate-se
Com a visão do outro em si
E reconhece a sua essencial virtude

O que é muito bom
Já é uma tradução
De uma outra coisa

É dentro da carne
Que se a conhece
É lá que vale a pena

Um momento de paz
Só para variar:
A banda vai começar!

Um trovão de homens, e de outros homens, e de outros trovões, e de coisas feitas homens
Um trovão de almas, de gestos, e de outras almas, e de carne feita gestos

Um sonho incrível, vivido acordado
Amor e amizade, a redenção possível
Um imenso obrigado
Pelo indizível.


sexta-feira, 18 de julho de 2014

Cantiga do Escravo

Sou um escravo mas tenho trabalho
Ter trabalho faz bem à gente
Sou um escravo e vivo contente
Também não assim tanto valho

Sou um escravo, de muito afinco
Uns euros de ordenado
Os euros, para o condenado
São setecentos e oitenta e cinco

A minha casa é noutro país
É um pouco melhor que esta
Euros, poucos me restam
Para mandar para esse país

Ter trabalho é importante
Mesmo que seja uma tortura
A vida é uma grande aventura
No mundo sou viajante

Sou um escravo, vivo contente
Outros há muito pior
Conheço bem essa dor
Que vive dentro da gente

Amigos de vários países
Partilham os contentores
Contam-me diferentes horrores
Parecem os amigos felizes

Enquanto apanham amoras
Morangos, mirtilos, framboesas
E tantas outras riquezas
Por esses campos afora

O patrão é um bom homem
Paga pouco mas é honesto
Lugar nenhum a protesto
Há outros que nem comem!

O meu incondicional amor
É enviar para a família
O pão nosso de cada dia
O sangue de nosso senhor

Eu vivo para dar aos meus
Aquilo que ninguém me deu
Evangelho de São Mateus:
"Morrer e ascender aos céus"

E disse o nosso senhor:
“Todo o trabalho é sagrado!
Ceifar o trigo, pastar o gado!
Trabalhemos com muito amor”

E vivemos essa inocência
Enviamos para a família
A sagrada homilia
O cheque ou a transferência

Jesus, senhor dos céus!
Barrabás, ó meu irmão!
A minha culpa, o teu perdão...
Meu senhor, somos teus réus!

O senhor é grande, rei de nós
É o limite derradeiro
Neste nosso estrangeiro
Nunca nos deixará sós

E que vá para o caralho
O nosso grande inimigo
O autóctone, fodido
Que lhe roubamos o trabalho

Senhor Jesus! Tua ascenção!
Luta de classes, nem saber
O meu destino é sobreviver
O meu amigo é o meu patrão!