Sou um escravo mas tenho trabalho
Ter trabalho faz bem à gente
Sou um escravo e vivo contente
Também não assim tanto valho
Sou um escravo, de muito afinco
Uns euros de ordenado
Os euros, para o condenado
São setecentos e oitenta e cinco
A minha casa é noutro país
É um pouco melhor que esta
Euros, poucos me restam
Para mandar para esse país
Ter trabalho é importante
Mesmo que seja uma tortura
A vida é uma grande aventura
No mundo sou viajante
Sou um escravo, vivo contente
Outros há muito pior
Conheço bem essa dor
Que vive dentro da gente
Amigos de vários países
Partilham os contentores
Contam-me diferentes horrores
Parecem os amigos felizes
Enquanto apanham amoras
Morangos, mirtilos, framboesas
E tantas outras riquezas
Por esses campos afora
O patrão é um bom homem
Paga pouco mas é honesto
Lugar nenhum a protesto
Há outros que nem comem!
O meu incondicional amor
É enviar para a família
O pão nosso de cada dia
O sangue de nosso senhor
Eu vivo para dar aos meus
Aquilo que ninguém me deu
Evangelho de São Mateus:
"Morrer e ascender aos céus"
E disse o nosso senhor:
“Todo o trabalho é sagrado!
Ceifar o trigo, pastar o gado!
Trabalhemos com muito amor”
E vivemos essa inocência
Enviamos para a família
A sagrada homilia
O cheque ou a transferência
Jesus, senhor dos céus!
Barrabás, ó meu irmão!
A minha culpa, o teu perdão...
Meu senhor, somos teus réus!
O senhor é grande, rei de nós
É o limite derradeiro
Neste nosso estrangeiro
Nunca nos deixará sós
E que vá para o caralho
O nosso grande inimigo
O autóctone, fodido
Que lhe roubamos o trabalho
Senhor Jesus! Tua ascenção!
Luta de classes, nem saber
Luta de classes, nem saber
O meu destino é sobreviver
O meu amigo é o meu patrão!