quarta-feira, 16 de maio de 2012

Em Maio, a pastelaria

De manhã, de soslaio
Uma luz que só em Maio
Agora, a pastelaria
Uma memória, eu perdi-a
A madame já não pede
Bolo e creme, agora cede
Aos rapazes que lá vão
Acabar-se onde estão

Já não pede leite ou nata
Antes observa a passeata
E tem medo, e avalia
O sentido do novo dia
Sonhando com quando havia
Menos gente, mais alegria
E outra forma de melancolia
Que ao menos conhecia

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O mar


Desde há pelo menos cinco mil anos
Que eu ando por aqui.
Tu viste-me, em variadas ocasiões
Desde esse tempo. Por exemplo,
Viste-me a atravessar o mar
A inventar, a dominar
Viste-me a julgar-me ser, agora, o ser
A ser o mais vão de todos os seres
Estupidamente inteligente
A desejar a aprovação do meu par
A querer estender a aprovação para mais um outro
A afogar-me de repetição
A encontrar o vazio puro
Involuntária síntese
Viste-me a correr de um lado para o outro
A estar, só por um momento, aqui
De tudo isto eu fiz uma outra coisa, muito grande mas
Pequena
Muito pequena…
Necessitando de síntese. Esperando
Por um outro, um que seja eu
Afastando o olhar dos outros
Querendo deixar de entender, deixar de ser
Pondo a sua vida ao serviço dos outros
Fazendo de si o espelho dos outros
Vivendo para desmultiplicar a operação que cria uma outra vida
Deixando o seu testemunho – lápide de cemitério – para outros
Mesmo quando sendo ser – só para outros
Definindo o sentido de palavras a partir de uma interpretação
Falhando na interpretação
Sempre, falhando, em interpretar os dados da experiência
Não entendendo a questão mais problemática
A da morte,
Recusando observar essa questão
Inventando mil e um artifícios para a ignorar
Cada qual aumentando mais e mais o desespero e a necessidade de consolo
Ilusão
Iludindo-me
Aborrece-me
Entristece-me
Fazendo tudo para inglês ver
Representando bem o papel, este ou o outro, o papel
Eu ando por aí, vagueando tão só!
Tão perdidamente só!
Há pelo menos cinco mil anos…
Sempre, sempre a inventar novos modos
De não entender as questões importantes
Cervantes
Indigna-me
Regenera-me
Às voltas com os seus moinhos
Coitadinhos
Tão sós que a paisagem os tem
O meu sitiozinho
O quadradinho
Viste-me, a rebentar o quadrado
A entender o que é dado
Como um problema sem solução
Quando o problema é a solução
Quando a solução é a servidão
Para quem? Quem está do lado de lá
Do meu discurso? Quem é o Gólgota
Que se esconde por detrás daquela árvore?
Magma indefinido da alma
Vulcão paciente que espera e espera e
Magica novos trilhos de lava
Fossiliza os espíritos que atravessam
O caos, a estrada sem sinais
E os outros, os tais
Que escrevem os seus ais
Uma necessidade inconcebível
De ser o ser
A forma da representação
O tempo
O outro
O ser
O whisky e as pedras de gelo
Um grilo falante
Nós
O nosso bocadinho
O nosso amor
O quadradinho
As suas polidas arestas
E o gasto que dá para o gasto
As infinitas alternativas
O mundo possível, todos
Dentro daqui
Bailando dentro desta coisa
O ser
Este ser
Fazendo o erro
Vivendo deliberadamente a errar
Oh – a mortalidade! – Oh – a vaidade!
Seguros, sós, vão
Procurando a aprovação dos amigos
Vivendo assim, em vão
Milhares e milhares de anos
Aguardando
Acreditando
Rezando
Aguentando isto
Sendo um campeão
Ganhando as jogadas todas
Dando xeque-mate
Fazendo o óbvio
Frequentando os sítios do costume
Bebendo as bebidas do costume
Sendo – o costume!
Vivendo no meio das costumeiras bestas
Aprumando a linha, coitadinha
Que me envolve, pequenina
Me enforma, tão certinha
Bloco de cimento, a luz
A alma
O que se produz
Mil viagens de amor e roldanas
Milhões e milhões de camas
Biliões de noites escuras
Triliões de garrafas de whisky
Sucedâneos do whisky
Simpáticos e reconfortantes
Publicidade para amantes
Estudos de mercado
E ao fim e ao cabo
O vazio
O nada
O horror
Aqui, mesmo adiante
Uma trip nada elegante
Um chilrear de um passarinho
Coitadinho
Um outro que se perdeu, não fui eu!
Sou, pelo contrário, a estrela
Lá vai ela
O ser do meu bar
A praia do meu bar
Que me faz esquecer
De pensar
Sobre o mar
O mar…
O mar…